Dearly Departed

Em julho, estive no congresso Consumer Culture Theory, desta vez em Montreal. Lá, participei de uma sessão especial sobre o tema Social Enterprise, organizada pelo Prof. Dr. John Schouten, na qual apresentei a pesquisa de campo que estamos realizando juntos no vilarejo mineiro conhecido como Bichinho, com foco inicial sobre a Oficina de Agosto. Mas isso é tema para postagem futura. Hoje quero falar do outro trabalho que apresentei no congresso: a instalação “Dearly Departed: Objectification and Personification in Women’s Erotic Consumption”.

Como já postei aqui antes, pode-se dizer que a Consumer Culture Theory Conference seja um congresso de marketing que reúne, predominantemente, pesquisadores da cultura do consumo atuantes em escolas de negócios. Só que, diferentemente dos congressos caretas dessa área, nessa conferência o pesquisador pode discutir seus achados científicos em forma de poesia e de arte, além do tradicional formato de exposição oral acompanhada de slides.

Desde 2016, expus cinco trabalhos na galeria de arte do congresso CCT (para saber mais sobre meus trabalhos de arte anteriores, clique aqui, aqui e aqui), vários deles em coautoria com o artista plástico e ceramista Francisco Alessandri. A inspiração para nossa instalação este ano foi o recorte de minha pesquisa apresentado no capítulo do livro Research in Consumer Behavior: Consumer Culture Theory: a vida e a morte dos produtos eróticos.

Com um título que pode ser traduzido mais ou menos como “Queridos Falecidos: Objetificação e Personificação no Consumo Erótico Feminino”, a instalação interativa era formada por cinco pequenos caixões e suas placas funerárias, contendo o nome do “morto” e um epitáfio, que não foram escolhidos por mim ao acaso. Tratam-se dos nomes usados por minhas entrevistadas para batizar seus vibradores. As frases abaixo do nome também foram proferidas por elas, quando descreviam sua relação com o produto. A ideia de morte é igualmente oriunda do discurso das entrevistadas para se referir ao descarte de produtos eróticos velhos ou quebrados.

O objetivo do trabalho era mostrar, de forma metafórica e até um pouco cômica, que os vibradores são tratados como pessoas por suas proprietárias, o que acentua a agência dos produtos sobre as consumidoras, em um processo que a antropóloga Marilyn Strathern chama de personificação. Vibradores viram mordomos, amigos, amantes e penetras, transformando as consumidoras em mulheres diferentes daquelas que eram antes do consumo erótico, em um processo que o antropólogo Daniel Miller chama de objetificação.

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Um conto de consumo

Estou há um tempo querendo postar estas imagens, desde que recebi meu exemplar de autora. Quando fui apresentada à corrente de pensamento conhecida como Consumer Culture Theory (CCT) em 2007, no meu primeiro semestre de doutorado, jamais poderia imaginar que, um dia, eu também escreveria um capítulo dessa história.

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A série de livros Research in Consumer Behavior: Consumer Culture Theory reúne, a cada edição, os melhores artigos apresentados no congresso anual da CCT. Neste volume em particular, que resultou do congresso de 2018 em Odense, todos os capítulos oferecem contos de consumo. São pesquisas científicas que empregam o storytelling, inspiradas pela cidade onde nasceu Hans Christian Andersen e que foi sede do evento.

Meu capítulo conta uma história de vida e de morte, com produtos eróticos personificados enquanto mordomos, amantes, amigos ou indesejáveis penetras. Minhas entrevistadas tratam seus vibradores como entes vivos e lhes dão nomes como Anthony, Paulinho, Johnnie, James e Barbie. Quando eles param de funcionar, as consumidoras passam por um processo ritualístico de descarte que muitas vezes lembra um enterro. Elas dizem que o vibrador morreu, o colocam em sacos pretos e saem de casa para descartá-lo em lixeiras públicas, por medo de serem identificadas.

Julia (nome fictício) juntou cinco vibradores quebrados até ter a coragem de jogá-los fora na lixeira de um parque: “Eu embrulhei todos num jornal e a gente [ela e marido] jogou isso num lixo público. Longe de casa (risos)! Primeiro porque eu já tava péssima, era tipo um amigo, meu vibrador (risos). Aí eu já fiquei com vergonha, imagina…!”. Ao falar da armazenagem dos produtos eróticos em casa, ela conta, ainda, que três vibradores feitos do mesmo material ficam “dormindo juntinhos”.

Tratar tais produtos como vivos, mortos ou adormecidos é uma forma de prosopopéia que mostra não apenas a intensidade do relacionamento entre consumidora e produtos eróticos, mas evidencia também que eles possuem agência. Em um relacionamento  mutuamente constitutivo, consumidora transforma produto ao manipular sua materialidade, ao alterar seus significados, ao criar novos usos e propósitos que podem ser entendidos pela indústria como demandas não atendidas; enquanto isso, produto transforma consumidora ao fazer dela uma nova mulher, indelevelmente marcada pelo consumo erótico, autora e protagonista do próprio prazer. Quando o produto é usado conjugalmente, efeito equivalente pode ocorrer sobre a relação do casal e sobre o homem.

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Manual de pesquisa sobre gênero e marketing

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É com enorme honra que anuncio o lançamento do “Handbook of Research on Gender and Marketing”, organizado pela Profª. Drª. Susan Dobscha e publicado pela Edward Elgar Publishing. Os capítulos tratam da pesquisa de gênero na área de marketing, alguns deles aderindo à lente da Consumer Culture Theory (CCT). Para mim, é uma honra estar entre essas autoras maravilhosas, que tanto admiro desde que ingressei na vida acadêmica, há mais de dez anos.

Em meu capítulo, relato parte dos achados da minha pesquisa sobre consumo erótico feminino, especificamente aqueles que dizem respeito ao mito de que o vibrador substituiria o homem. Minha intenção foi oferecer, além dos achados contextualizados, um caminho para a geração de teoria em estudos culturais do consumo. Esse caminho chamei de “análise extremista”, em referência ao prológo de Daniel Miller para seu livro Stuff, intitulado “My Life as an Extremist”. Usei a análise extremista após a descrição densa de meus dados de campo e ela me permitiu aprofundar descobertas, gerar teoria e refutar o mito popular no Brasil de que vibradores seriam ameaças ao papel conjugal do homem. Foi a fragilidade de certas masculinidades que possibilitou o surgimento desse mito, mas ele não encontra correspondência nas práticas das mulheres que entrevistei. Nenhuma delas busca substituir o contato físico e amoroso de um(a) parceiro(a) de carne e osso. O que se busca é o incremento das relações, é o “apimentar”, como elas dizem.

Então, se você está com dificuldade para ultrapassar a mera descrição densa dos achados de seus estudos culturais do consumo, talvez a análise extremista possa ajudar. Nas palavras de Susan Dobscha: “Chapter 6 draws attention to a blindspot in marketing and consumer research: sex. Despite its universality and the amount of money spent on it, sex remains a largely taboo, untapped domain in marketing. Walther has been on the forefront of this movement with her work on the use of sex toys among married couples in Brazil. This chapter presents data from that work and also provides an important foundation chapter for future researchers interested in undertaking important topics such as sex-related product marketing and consumption, sexual activities that are bought and sold, and the role of sex in marketing strategy.”

Veja o que Eileen Fischer e Elizabeth Hirschman comentaram sobre o livro:

“The Handbook of Research on Gender and Marketing is a timely volume that effectively updates and extends conversations on feminism, gender, gendered marketspaces, and the practices of consumers therein. Appropriately, this volume challenges some taken for granted understandings that may be hampering our understanding of gender(s), and some taboos that can prevent us from discussing critical issues that matter to people of varied genders. I encourage scholars in this arena to take the time to read this volume cover to cover.”
– Eileen M. Fischer, York University, Canada

“Being a woman who has now lived through several versions of feminism, gender studies and marketing, I am very happy to see that scholars continue to re-think and expand their notions of how gender affects marketing – and life generally. This has been a long, difficult and at times also fun and gratifying road to be on. The eclectic mix of topics and perspectives in the present volume help us get a better grasp of the “now” of gender.”
– Elizabeth C. Hirschman, The University of Virginia’s College at Wise, US

Para comprar ou saber mais, clique aqui.

 

 

Retrospectiva 2018

Estamos em dezembro e, nas redes sociais, pipocam os memes reclamando de 2018. Mas eu mesma não posso reclamar; 2018 foi um bom ano para mim profissionalmente, apesar dos cortes orçamentários na Educação. Tampouco quero fazer previsões tenebrosas para 2019, pois iniciarei o ano colhendo frutos plantados anteriormente. Não nego meu medo dos retrocessos sociais, educacionais, intelectuais, culturais e outros ais que já se anunciam. Mas prefiro, neste momento, focalizar as vitórias e a gratidão por elas. Então, em 2018, teve:

  • Fui revisora de 14 trabalhos científicos submetidos a congressos e periódicos internacionais e nacionais. Paralelamente, fiquei viciada em adicionar e verificar obsessivamente minhas revisões no Publons.

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  • Publiquei no Journal of Marketing Management um artigo discutindo os desafios da pesquisa sobre tabus, em coautoria com Gretchen Larsen, Maurice Patterson e Ouidade Sabri, a fim de encorajar a investigação de assuntos polêmicos e urgentes, que podem aumentar a visibilidade dos problemas sociais.

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  • Apresentei no congresso Consumer Culture Theory e no Encontro de Marketing da ANPAD um artigo sobre a objetificação das consumidoras e a personificação dos produtos eróticos.

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  • Participei da galeria de arte do congresso Consumer Culture Theory com uma instalação intitulada Hysterical You, que convidava o observador a se colocar no lugar das mulheres que eram submetidas ao tratamento vibratório para histeria e que, hoje, ainda sofrem preconceito ao consumirem vibradores.
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Soren Askegaard interagindo com a instalação Hysterical You
  • Recebi a menção honrosa do Prêmio “Melhor Paper de Marketing Publicado em Periódicos Internacionais por Pesquisadores Brasileiros”, pelo artigo Next Stop: Pleasure Town, que escrevi em coautoria com John Schouten, publicado no Journal of Business Research.

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  • Dei minha primeira disciplina de mestrado, Métodos de Pesquisa Qualitativa para Estudos Culturais, para o Programa Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade, o que foi, ao mesmo tempo, extremamente trabalhoso e gratificante.

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  • Como aluna, assisti ao Seminário Canon of Classics na University of Southern Denmark. Muito aprendizado com pesquisadores incríveis, em uma experiência inesquecível.
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Isabela Morais, Luciana Walther, Eric Arnould, Craig Thompson, Carla Abdalla, Julio Lemos

E, para 2019, já estão no forno:

  • Um capítulo muito didático sobre o uso da análise extremista, uma técnica de geração de teoria a partir de dados de campo adaptada por mim de Miller (Stuff, 2010), que sairá no Handbook of Research on Gender and Marketing, editado por Susan Dobscha.

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  • Um capítulo para o vigésimo volume do livro Research on Consumer Behavior: Consumer Culture Theory, editado por Dannie Kjeldgaard, Domen Bajde e Russell Belk.

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Realmente, não posso reclamar!

 

Hysterical You

Estive na Dinamarca no começo de julho para a CCT Conference, que é o congresso oficial da corrente de estudos culturais do consumo conhecida como Consumer Culture Theory. Lá apresentei o artigo intitulado “The Life and Death of Anthony Barbie: A Consumer Culture Tale of Butlers, Lovers and Crashers”, que trata da vida social de produtos eróticos, como o polêmico vibrador. Como tudo que está vivo um dia morre, o artigo debate também a morte social e material desses objetos, analisando depoimentos engraçados e emocionantes em que minhas entrevistadas descrevem como é difícil, por motivos emocionais e práticos, jogar fora um vibrador. O artigo foi selecionado pelos organizadores para se tornar um capítulo do livro “Consumer Culture Theory – Research on Consumer Behavior”, que contém os melhores papers apresentados no congresso de 2018.

Desde 2016, além de apresentar minha pesquisa científica nesse congresso, tenho participado com trabalhos artísticos, usando variados meios para expressar meus achados de pesquisa: escultura, ready-made, collage. Este ano, apresentei uma instalação interativa intitulada “Hysterical You”, que consistia em uma cadeira em cujo assento ficava escondido um massageador de costas, constantemente ligado à tomada. No assento, lia-se a palavra “SIT” em grandes letras vermelhas. Diante da cadeira, havia uma mesa sobre a qual se encontrava um livro, em cuja capa se lia “READ”, e um espelho de penteadeira, em cuja superfície se lia “STARE”.

Vários colegas interagiram com a obra e ofereceram reflexões que validaram e aprofundaram minha proposta. Usva perguntou ao primeiro a se sentar: did you stare into your void? Carla e Rodrigo sugeriram a colocação de uma câmera que registraria a reação das pessoas, ao se surpreenderem com a sensação corporal gerada pela instalação. Jannek falou da avalanche sensorial criada pelo estímulo vibratório que, somado aos três verbos no imperativo, impede a concentração no cumprimento dos comandos. John ficou impressionado com o estímulo do períneo. Vários manifestaram vergonha de interagir com a instalação em uma sala com tantos espectadores – a exposição ocorreu no grande lobby do centro de convenções.

Veja o texto que acompanhava a instalação e algumas fotos dos corajosos que decidiram participar da brincadeira. Uma brincadeira muito séria, a propósito.

Vantagens e desafios do método videográfico nas pesquisas de marketing

Recomendo a todxs xs estudantes de Administração e a quem quiser saber mais sobre pesquisa de marketing o livro “Como fazer pesquisa de marketing no Brasil: um guia prático para a realidade brasileira”, de autoria dos professores Walter Nique e Wagner Ladeira. A segunda edição acaba de ser publicada pela Editora Atlas e está primorosa.

Como o título indica, o livro oferece um olhar brasileiro e profundo sobre abordagens e métodos de pesquisa internacionalmente preconizados. Os autores apresentam o passo a passo para se realizar pesquisas de marketing cientificamente rigorosas, detalhando desde as metodologias mais prevalentes às técnicas e perspectivas mais inovadoras. Cada capítulo traz ainda dicas práticas, cases e uma seção intitulada “Palavra do Especialista” para a qual tive a honra de contribuir, discutindo videografia.

Na coluna “Palavra do Especialista”, professores doutores e renomados profissionais de diferentes indústrias desenvolvem, cada um, um tema específico: o professor Eduardo Ayrosa fala de Consumer Culture Theory (CCT), o professor Vinicius Brei discute o presente e o futuro do big data no Brasil, o professor Marlon Dalmoro trata do método etnográfico, o professor Valter Afonso Vieira recomenda a criação de escalas nacionais com base em nossa cultura, entre outras importantes contribuições que aproximam esse livro da prática brasileira e ajudam a inseri-lo nos mais recentes diálogos internacionais.

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MQNFSP na Revista Brasileira de Sexualidade Humana

A Revista Brasileira de Sexualidade Humana, editada pela psicóloga clínica, educadora e terapeuta sexual Ana Canosa, acaba de publicar uma resenha do livro Mulheres que não ficam sem pilha escrita pela jornalista especializada em educação sexual Nathalia Ziemkiewicz. Obrigada, Ana, por dar à minha pesquisa espaço nesse importante veículo científico. E obrigada, Nathalia, por ter lido meu livro e feito comentários tão instigantes e inteligentes.

Seguem trechos da resenha:

❝Impossível não vibrar percorrendo as páginas do livro “Mulheres que não ficam sem pilha: como o consumo erótico feminino está transformando vidas, relacionamentos e a sociedade”, fruto da corajosa tese de doutorado de Luciana Walther. Em tempos de debate sobre igualdade de gêneros, tirar a sexualidade feminina do fundo do criado-mudo e compreender o motivo dessa vergonha é fundamental. A autora desconstrói mitos e estereótipos entremeando depoimentos de uma profunda pesquisa qualitativa com 25 mulheres de universos distintos, referências acadêmicas e interpretações antropológicas. […]

Ao rechear o livro de histórias que geram identificação e empatia, Luciana conquista o leitor fora do escopo acadêmico e empresarial. […]

A primorosa pesquisa qualitativa de Luciana, respaldada por robustas referências acadêmicas e somada às interpretações antropológicas, fazem de “Mulheres que não ficam sem pilha: como o consumo erótico feminino está transformando vidas, relacionamentos e a sociedade” uma experiência desafiadora. Ao menos para um(a) leitor(a) comum, justamente aquele(a) que a autora também gostaria de alcançar. Porque nos deparamos não apenas com desejos, fragilidades, preconceitos e dilemas alheios – mas com os nossos. Porque instiga a nós, mulheres, a “botar a mão ali”, a não fingir orgasmos, a deixar o vibrador em cima da pia. Não há nada de errado em sentir tesão e reivindicar o próprio gozo. O melhor é que ambos são perfeitamente recarregáveis.❞

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Sidney J. Levy Award

Onze de julho de 2017 foi um dos dias mais importantes da minha vida e certamente o mais importante da minha carreira até agora. No congresso da Consumer Culture Theory (CCT), recebi a menção honrosa do prêmio Sidney J. Levy das mãos do próprio!

Sidney Levy é a maior sumidade da linha de reflexão que temos chamado de CCT. Ele foi um dos primeiros professores de Marketing a investigar consumo pela ótica cultural. Uma busca por seu nome no Google Acadêmico gera 69.200 resultados. O primeiro deles, Broadening the Concept of Marketing, é um artigo de 1969 publicado no Journal of Marketing em coautoria com Philip Kotler, citado por 3133 autores. É uma honra colossal entrar para este seleto grupo de pesquisadores contemplados pelo prêmio que leva o nome de Levy.

O prêmio Sidney J. Levy é concedido ao melhor artigo de CCT oriundo de tese de doutorado publicado no ano anterior em um periódico científico internacional de primeira linha. Meu artigo Next stop: Pleasure Town – Identity Transformation and Women’s Erotic Consumption ficou em segundo lugar, fazendo jus à menção honrosa, que é concedida apenas de vez em quando, nas ocasiões em que o segundo colocado se mostra merecedor. Essa é a primeira vez que uma tese de doutorado defendida na América Latina é premiada. A menção honrosa do Sidney J. Levy Award é a maior validação que minha pesquisa poderia receber. Na placa, lê-se “awarded in recognition of outstanding CCT dissertation research”.

Sou enormemente grata ao meu coautor John Schouten, às minhas orientadoras de doutorado Mirian Goldenberg e Leticia Casotti, aos membros do juri, que compreenderam o que venho tentando fazer e enxergaram mérito nessa empreitada, e a toda a comunidade de CCT, que tanto me inspira e ensina. Agradeço também ao CNPq, que financiou parte de minha ida ao congresso.

Por último, gostaria de dedicar esse prêmio às muitas mulheres que têm sua sexualidade oprimida e censurada diariamente de infinitas maneiras, desde xingamentos a mutilação, passando pelas mais variadas formas de violência física e verbal. Espero que minha pesquisa ajude a diminuir preconceitos e desigualdades de gênero, mostrando que a sexualidade feminina não deve ser vista como fonte de vergonha, e sim de felicidade e bem-estar.


I would like to thank the CCT community for one of the most amazing moments of my personal life, and definitely the most important achievement of my professional life so far. The honorable mention of 2017’s Sidney J. Levy Award is the biggest validation of my doctoral dissertation I could ever ask for. It was not easy to pursue such a controversial research topic in a patriarchal society like Brazil. I faced many financial obstacles and much sexist prejudice. So, receiving this award from the community that matters the most to me is a dream come true. I would like to thank Sidney J. Levy and Eileen Fischer for being such an inspiration and for handing me the materialization of that dream. Thank you, John Schouten, for being an amazing mentor and co-author. Thank you, Dannie Kjeldgaard, Eric Arnould and Elif Izberk Bilgin, the Award’s judges that understood what I’ve been trying to do and found merit in that endeavor. Thank you, Cristel Antonia Russell, Cecilia Ruvalcaba, Samantha Cross and Alladi Venkatesh for your hard work on strengthening our community ties. Thank you, my dear doctoral advisors: Mirian Goldenberg, anthropologist extraordinaire, and Leticia Moreira Casotti, one of the first CCT researchers in Brazil, who in fact introduced me to CCT. Last but not least, I would like to dedicate this award to all women in Brazil and all over the world who have their sexuality shot down on a daily basis in so many ways, from slut shaming to mutilation. I hope my work helps reduce gender inequalities even if it’s just a little bit.

Yes, I feel like I won an Oscar.

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Eileen Fischer, Sidney Levy e Luciana Walther
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Luciana Walther, Sidney Levy e John Schouten

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Cuniculantropia III

Acabo de voltar do congresso da Consumer Culture Theory, linha de reflexão praticada usualmente em escolas de negócios, que estuda consumo pela ótica cultural. O congresso da CCT é tão avançado que encoraja pesquisadores a apresentarem seus achados científicos não apenas em forma de artigo, mas também em forma de poesia e arte. No ano passado, além do filme Dialectical Dildo, apresentei dois trabalhos artísticos, um ready-made e um conjunto de três esculturas em coautoria com o ceramista tiradentino Francisco Alessandri, que receberam os títulos de Cuniculantropia I e II.

Neste ano, o congresso aconteceu em Anaheim, na Califórnia, onde apresentei, além de um artigo científico intitulado “Humility of Things: Analyzing Material Culture’s Salience in the Erotic Industry”,  meu terceiro esforço para expressar em forma de arte os achados de minha pesquisa sobre consumo erótico feminino que se referem às transformações atravessadas tanto pela consumidora quanto pela indústria erótica. Trata-se de um relacionamento mutuamente constitutivo e, portanto, dialético. Do relacionamento entre consumidora e produtos eróticos, ambos emergem transformados.

Cuniculantropia é um neologismo inventado por mim como metáfora conceitual para essa transformação. A cuniculantropia, se entendida ao pé da letra, se refere à transformação de pessoas em coelhos, da mesma forma que licantropia se refere aos lobisomens. Aqui, o emprego da palavra não é literal evidentemente, mas sim uma interpretação poética da consumidora transformada por sua interação com a indústria erótica.  O coelho é usado como alegoria para sexualidade, já que dá nome a um dos produtos eróticos mais conhecidos, o vibrador do tipo rabbit, e é um animal notório por sua capacidade reprodutora.

Em meus trabalhos artísticos, minha intenção tem sido estender a metáfora do textual para o visual. A quimera originada da cuniculantropia corresponde à consumidora indelevelmente transformada por sua participação na indústria erótica e, também o inverso, a indústria transformada pela consumidora.

Utilizei a técnica da collage e, por isso, tenho muito a agradecer à minha amiga, designer  e artista Marcia Albuquerque, que me deu uma incrível aula de collage. A collage é a técnica (ou o meio) perfeita para expressar teorias neomaterialistas, como a Teoria da Assemblagem, que pressupõe que os cidadãos nas sociedades de consumo são assemblagens tecnossociais formadas pela pessoa e pelos objetos materiais que da sua vida fazem parte. Expressa também a famosa teoria do Eu Estendido, de Belk, que entende que objetos de consumo muito relevantes para os indivíduos passam a fazer parte de sua identidade. Ajudam a construi-la e a expressá-la.

Minha collage Cuniculanthropy III foi um sucesso! Muita gente comentou e elogiou. Surgiram interpretações que me fizeram perceber aspectos do meu próprio trabalho que ainda me eram inconscientes. Uma colega sugeriu que todos os alunos de doutorado tentassem exprimir suas pesquisas em forma de collage para aprofundar sua compreensão do que eles próprios estão fazendo.

Esta collage funciona nos dois sentidos verticais, cada um oferece mais camadas de significados para o observador. O antropólogo Richard Parker, ao estudar a identidade sexual brasileira, constatou que, enraizada em nossa desigualdade entre gêneros, está a noção da mulher enquanto virgem e enquanto puta. A primeira representa o controle masculino sobre a sexualidade feminina. A segunda, ao mesmo tempo, valida a masculinidade e a desafia. Uma de minhas mulheres tem os braços cruzados em santidade ou adoração; um coração sagrado e vibrante que ela guarda como tesouro. A outra mulher tem chifres feitos de conchas; uma armadura de pequenas frutas vermelhas. Estão interligadas pela orquídea de Georgia O’Keeffe. Que também cobre os olhos da consumidora-santa. Ou lhe servem como óculos. Um sorriso suculento com sabor de goiaba. Outro sorriso quebrado, cubista, assanhado. Asas que saem dos quadris. Instruções para construir um coelho se transformam em mais asas, estas com a transparência das de um inseto. Um homem também faz parte da assemblagem. Você consegue identificar os produtos eróticos nesta imagem? Don’t forget to play.

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Ainda na loja de molduras

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No congresso de CCT, Dineyland Hotel, Anaheim, EUA

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